Eu voltava de
ônibus de um distrito rural da minha cidade natal, olhando a paisagem pela
janela, meditando sobre os últimos acontecimentos... Então vi uma cena, envolta
por uma luz suave, que me alcançou profundamente, trazendo lágrimas à tona. Era
uma casa simples de madeira, sem pintura, acho que nem cerca tinha. Em frente
havia uma pequena varanda, circundada por um parapeito também de madeira
rústica. E, por sobre toda a extensão do parapeito, repousavam recipientes
plásticos cuidadosamente organizados - embalagens reaproveitadas nas quais
vicejava uma profusão de cactos e suculentas, de uma beleza indescritível.
Algumas suculentas também pendiam do teto, com longas e magníficas hastes. Senti
um forte impacto diante do contraste daquela morada tão singela, adornada com
tanto zelo e delicadeza. Comoveu-me imaginar que bela alma moraria naquele
lugar...
Detalhes despretensiosos
do cotidiano revelam como nos relacionamos com o mundo, o valor que atribuímos
às pessoas e coisas com que temos contato. Pequenos gestos evidenciam
disposições íntimas, denunciam o grau de atenção e consideração que devotamos a
determinadas experiências, sua significação para nós. “Nas coisas pequenas se
revelam as coisas grandes”, diz um antigo aforismo.
O filósofo
Roger Scruton, no livro intitulado Beleza, enfatiza a importância desses
detalhes sutis para a vida humana. Ele observa que: “Muito do que é dito sobre a beleza e sobre sua importância em nossas
vidas ignora a beleza mínima de uma rua despretensiosa, de um bom par de
sapatos ou de um pedaço refinado de papel de presente; é como se essas coisas
pertencessem a uma ordem de valor distinta da ordem de valor de uma igreja
construída por Bramante ou de um soneto escrito por Shakespeare.”
Mesmo
reverenciando as grandes obras de arte, Scruton considera que as “belezas
mínimas” que permeiam nosso dia a dia tornam-se mais importantes, pois: “Fazem parte do contexto em que vivemos, e
nosso desejo de harmonia, adequação e civilidade encontram nelas expressão e
confirmação.” Em sua abrangente reflexão sobre o tema, o autor constata que
esses pequenos ornamentos nos fazem sentir “em casa”, conferindo um senso de
ordem e dignidade à vida humana.
Os mistérios
da beleza e seus caminhos no espírito humano têm ocupado as reflexões de
filósofos, religiosos e artistas há longos tempos. O filósofo Platão, no livro
A República, afirma que “ritmo e harmonia
permeiam o interior da alma mais do que qualquer outra coisa”. Para esse
pensador, na contemplação do belo o ser humano buscaria algo além das
aparências, a conexão com a fonte da própria beleza. Pois a beleza refletiria a
harmonia das Leis Universais, um plano além dessa realidade material que
podemos apalpar. Assim, seríamos atraídos pela harmonia, porque algo dentro de
nós anseia pela unidade com essa Ordem Universal.
Platão defende
que seja dada especial atenção à conformação do ambiente onde crianças e jovens
se desenvolvem. Para o filósofo, se forem habituados a um contexto envolto por
beleza - por meio da música, poesia, arquitetura, tecelagem, enfim, de todo
tipo de manifestação genuinamente nobre e graciosa - os jovens assimilarão a
harmonia em seu próprio caráter. Dessa forma, quando se defrontarem com
elementos desarmoniosos em outros ambientes ao longo da vida, não terão
dificuldade em identificá-los e serão capazes de distinguir o belo do feio,
assim como o bom do mau, o certo do errado. Vemos, portanto, que Platão atribui
à beleza e à harmonia um papel relacionado à formação moral do ser humano.
Para o
escritor Abdruschin, ao buscar embelezar e enobrecer cada ação, o ser humano
vivencia um refinamento interior, espiritual. Desse modo, manifesta o valor e a
gratidão que devota a cada experiência que lhe é concedida. Para o autor, esse
cultivo da harmonia não se refere apenas a objetos ou obras materiais, mas à
própria conduta humana. Abrange, por exemplo, a forma como nos expressamos e
nos relacionamos com as pessoas. Abdruschin analisa que esse processo exige o
despertar de uma sensibilidade profunda, da intuição: “Se a atuação do sentimento for dirigida pela intuição, haverá então em
todos os pensamentos e atos apenas beleza, equilíbrio e enobrecimento.”
Pois a intuição é a ponte que permite ao ser humano captar irradiações
provenientes de planos superiores, luminosos, onde a beleza e a harmonia são
plenamente evidentes. Isso porque, como Platão já intuíra, ali tudo vibra de
acordo com as Supremas Leis.
Conferir
beleza e harmonia às atuações cotidianas é uma maneira de valorizá-las,
evitando sua banalização. O simples ato de pôr à mesa, o cuidado na disposição
dos utensílios, o zelo no manuseio e apresentação dos alimentos, a atitude das
pessoas naquele momento, podem transformar o corriqueiro hábito da alimentação
em um ritual, que lança pontes em direção ao sagrado. É como se aquele momento,
de outra forma mecânico e passageiro, fosse tornado especial, aspirando à
eternidade: um momento digno de ser lembrado. Assim como ocorre na cerimônia do
chá oriental, em que o simples ato de beber chá na companhia de um amigo é alvo
de uma preparação repleta de significados, tornando-se um evento único e
memorável.
O cultivo da
beleza não exige luxo nem suntuosidade, como percebi na singela casinha repleta
de plantas na varanda... Trata-se de uma atitude diante da vida, perpassada por
cuidado e consideração, um olhar atento que garimpa preciosidades nos momentos
mais corriqueiros, procurando valorizá-las e favorecê-las. E, interessante, a
beleza que descobrimos no mundo de alguma forma passa a fazer parte de nós,
como se nos emprestasse algo do seu brilho, lançando luz em nossos caminhos.
"Com o tempo desenvolveu-se entre os colonizadores espalhados nas margens do grande rio um movimentado intercâmbio com os produtos de seu trabalho.
Eles utilizavam as vias navegáveis para o transporte de suas mercadorias. Com isso se mesclavam os grupos de tribos isoladas. Um aprendia com o outro; um regozijava-se com o progresso do outro, aproveitando suas experiências.
Assim eles eram elos úteis na corrente das forças servidoras desta Criação. Outra coisa também não deveriam ser. Imaculada e límpida permanecia a sua vontade. Quais crianças alegres e cheias de gratidão, serviam ao Criador e ajudavam-se mutuamente."
Aspectos do Antigo Egito, Coleção o Mundo do Graal
A esperança é resiliente e terna, exigindo paciência e confiança. Ela prospera no incessante esforço para a realização. Enquanto força coletiva, partilhada, torna-se mais potente, possibilitando cura e reconstrução. Assista ao vídeo.
"Alegria e felicidade podem existir em toda a Criação. Miséria e aflição, doença e crime, vós, seres humanos, sozinhos os criais, porque até hoje não quisestes reconhecer onde se encontra a incomensurável força que vos foi outorgada no caminho através de todos os mundos, que tendes de peregrinar para o desenvolvimento, por vosso próprio desejo.”