Quem não gosta de um bom petisco? Comidinhas no centro da mesa e alguns bons amigos em volta. De petisco em petisco, todos ficam satisfeitos. Em algum momento, no entanto, o corpo deseja uma boa refeição: arroz, feijão, nutrição.
Assim como acontece com a comida, também acontece em outras áreas. Os olhos seguem de manchete em manchete, de chamada em chamada, de postagem em postagem, de canal em canal e assim vamos preenchendo-nos de ideias genéricas sobre como anda o mundo. Mas, em algum momento, é bom escolher um tema de maior interesse e ler uma reportagem longa e aprofundada.
Nas relações humanas, persistir num relacionamento afetivo ou mesmo dedicar-se a uma escuta atenta e efetivamente conhecer o interlocutor é um desafio.
São muitas as opções e muitas as cobranças externas e internas gerando ansiedade, pouca concentração e a constante sensação de ter pouco tempo para apreender o mundo. A dispersão é soberana e tudo parece fluido, escorrendo pelos dedos, pelos dias e pela memória.
“A cultura pressupõe um ambiente onde seja possível uma atenção profunda. Essa atenção profunda é cada vez mais deslocada por uma forma de atenção bem distinta, a hiperatenção. Essa atenção dispersa se caracteriza por uma rápida mudança de foco entre diversas atividades, fontes informativas e processos”, escreve Byung-Chul Han em Sociedade do Cansaço. E complementa: “Pura inquietação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente”.
A busca pela nutrição interior, que acalenta o espírito, não acontece de forma diferente. Busca-se todo tipo de espiritualidade, linha de pensamento, teoria, bênção e terapia. Petiscamos variedades sem profundidades e tantas vezes boiamos nas superfícies.
“Mais da metade de todos os que buscam não são sinceros. Trazem em si uma opinião própria já formada. Se tiverem de modificar apenas uma fração dessa opinião, preferem então recusar tudo quanto lhes é novo, mesmo que ali se encontre a Verdade”, escreve Abdruschin em Na Luz da Verdade.
Pode ser que, inconscientemente, o prazer em buscar e sentir-se um eterno perdido, vitimizado pelo desencontro, seja um conforto para o ego. O prazer de buscar pode ser maior do que o prazer de achar. Achar é trabalhoso. A partir do momento em que temos algum achado em mãos, o próximo passo não é o descanso na praia, mas um mergulho em águas ainda mais profundas para compreender o âmago do achado e de si mesmo. Pode ser que tais águas exijam transformações e, para tanto, é preciso abertura, humildade e fé.
Byung-Chul Han escreve que “a perda moderna da fé, que não diz respeito apenas a Deus e ao além, mas à própria realidade, torna a vida humana radicalmente transitória. Jamais foi tão transitória como hoje. Radicalmente transitória não é apenas a vida humana, mas igualmente o mundo como tal”.
O excesso de transitoriedade e a perda da esperança dificultam o enraizamento, os mergulhos nas profundezas e, assim, prejudicam os plantios futuros. O medo do amanhã leva à superficialidade dos cultivos do hoje. Alguns pensam: É válido um mergulho profundo num mar tão revolto? De que adianta plantar em solo infértil?
Por mais duvidoso que o futuro pareça, o presente continua sendo o único lugar onde se pode cultivar o vir a ser, escolher os pensamentos que projetam novos mundos, cuidar de objetos que são vivificados com atenção e energia, aprofundar-se no que efetivamente nutre, escolher as profundezas a adentrar.
Enquanto dispersamos e titubeamos, o presente passa e o futuro fica cada vez mais incerto. O solo, por sua vez, continua trabalhando seus ciclos e respondendo aos cuidados, e o mar continua se movendo sem espera. Tantas vezes repetida, e por isso talvez banalizada, a promessa é profunda: nenhuma busca fica sem resposta.
“Viver é experimentar exatamente isso: cuidar de uma pequena parte, de modo a agregar ao todo. Qual a nossa colaboração na transformação da energia que nos mantém vivos? Qual o melhor encaixe que podemos fazer de nós mesmos dentro de um sistema que já trabalha, por natureza, de forma colaborativa?”
Sibélia Zanon