Às vezes me sinto cansada desta época,
em que o telejornal consegue ser mais assustador do que um filme de terror. Arrisco-me
numa realidade imaginada, daquelas que só os poetas sabem explicar. “Não quero
ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer
sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada”, brinca Clarice Lispector.
Há os que buscam a realidade sonhada
em Shangri-la, Ítaca ou Pasárgada. Manuel Bandeira já avisava: “Vou-me embora
pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei”. A literatura, o cinema, a música, as
artes em suas variadas formas nos ajudam a mudar muitas vezes o canal, nos ajudam a sair da
frequência do telejornal e a experimentar uma viagem. Mas como toda viagem,
essa também tem fim.
O perigo acontece quando não queremos
voltar. Neste caso seguimos, infelizes, sonhando. Desajustados dentro da
própria pele, nos sentimos vitimizados por um mundo que não nos ama. Somos
nocauteados pela vida que não nos oferece atalhos até Shangri-la. Sonhamos de uma
forma tão irreal que ficamos paralisados, sem conseguir dar um próximo passo.
“Para muitos, um assim inocente sonhador já atua diretamente pela
conversa, como um veneno de ação lenta, corroendo, destruindo, pois ele é capaz
de desviá-los da vida terrena normal, e com isso sadia, com suas explanações de
ideias, para conduzi-los ao reino daquilo que é impróprio, irreal para a
existência terrena.
Note-se bem: eu não digo que um tal sonhador
seja impuro ou mesmo ruim, ao contrário. Pode ele querer o melhor, mas sempre o desejará de modo
irreal para a Terra, de praticabilidade impossível, e dessa forma não atua para
a existência terrena de modo benéfico, mas sim dificultando, destruindo”, considera o
escritor Abdruschin, em Na Luz da Verdade.
Em uma
entrevista à revista Veja, o filósofo inglês Roger Scruton faz uma crítica ao
otimismo exacerbado: “Não falo do otimismo como virtude, nem da esperança ou da fé, que
servem para a elevação espiritual do indivíduo e fomentam inovações e avanços.
O otimismo prejudicial é o desmedido ou, como disse o filósofo Arthur
Schopenhauer, o otimismo mal-intencionado, não escrupuloso. É o tipo de
pensamento que está por trás de todas as tentativas radicais de transformar o
mundo, de superar as dificuldades e perturbações típicas da humanidade por meio
do ajuste em larga escala, de uma solução ingênua e utópica, como o comunismo,
o fascismo e o nazismo”.
Se corremos o risco de um sonhar paralisante e de um otimismo utópico -
e não queremos cair no conformismo insosso que nos transmutaria no inseto de
Kafka - o que nos resta?
Para sonhar com
alguma chance de realização é preciso
partir do entendimento de que a realidade que se tem em mãos é a única
disponível e para chegar até a Shangri-la desejada vamos ter que levantar do
sofá e suar a camisa. Talvez seja necessário desobstruir as ruas para poder
passar, talvez seja necessário tirar o peso excessivo da mochila e reciclar
conceitos e pensamentos.
Segundo Abdruschin, aqueles que buscam por
ideais são os “que têm em mira, sim, um
alvo grande, muitas vezes grandioso, nunca chegando aí, porém, a fantasias,
antes se firmam solidamente na vida terrena com ambos os pés, a fim de não se
perderem naquilo que é irreal na Terra. Esforçam-se, degrau por degrau, por
atingir o alvo amplamente planejado com visão sadia e mãos habilidosas, sem,
entrementes, prejudicar outras pessoas que não merecem”.
Sonhar com os pés na realidade pode dar
trabalho, mas é isso que vai nos tornando mais leves para uma viagem tão longa
e difícil como parece ser o caminho até Shangri-la. Reserve os sonhos
inconsequentes para vivê-los no cinema e na literatura e depois volte. A realidade
precisa de cada um de nós.
"Não percas Ítaca de vista,
pois chegar lá é o teu destino.
Mas não apresses os teus passos;
é melhor que a jornada demore
muitos anos
e o teu barco só ancore na ilha
quando já estiveres enriquecido
com o que conheceste no caminho.
Não esperes que Ítaca te dê mais
riquezas.
Ítaca já te deu uma bela viagem;
sem Ítaca, jamais terias
partido.
Ela já te deu tudo, e nada mais
te pode dar.
Se, no final, achares que Ítaca
é pobre,
não penses que ela te enganou.
Porque te tornaste um sábio,
viveste uma vida intensa,
"Uma onda de força perfluiu-o, e o conceito de tempo desapareceu por alguns instantes. Sentiu-se arrastado para dentro de uma radiosa corrente de Luz da eternidade, que conduzia a um mundo de paz e amor. ‘Honra a Deus nas alturas!…’ é o que cantava e soava em seu íntimo, ao voltar do mundo de Luz que se abrira ao seu espírito…"
"Com o tempo desenvolveu-se entre os colonizadores espalhados nas margens do grande rio um movimentado intercâmbio com os produtos de seu trabalho.
Eles utilizavam as vias navegáveis para o transporte de suas mercadorias. Com isso se mesclavam os grupos de tribos isoladas. Um aprendia com o outro; um regozijava-se com o progresso do outro, aproveitando suas experiências.
Assim eles eram elos úteis na corrente das forças servidoras desta Criação. Outra coisa também não deveriam ser. Imaculada e límpida permanecia a sua vontade. Quais crianças alegres e cheias de gratidão, serviam ao Criador e ajudavam-se mutuamente."
Aspectos do Antigo Egito, Coleção o Mundo do Graal