Beleza Mínima

outubro 25, 2025


Sibélia Zanon

A beleza é mandamento na asa de passarinho. Se assim não fosse, a cor não habitaria tanta pena. Planando em altura e com leveza, a beleza é arrebatamento – um horizonte se deita sob suas asas.

A beleza chega a ser pungente – pulsa e se faz reconhecer fácil e intimamente. É essência e necessidade numa vida que busca inteirezas. 

Por ser tão forte, chega a provocar desconforto ao revelar a ferida. Deflagra aquilo que o cotidiano – coberto com um manto tecido de dor e breu – não consegue ser. Ao iluminar a penumbra costumeira, a beleza constitui-se num lembrete da escassez e pode fazer doer uma saudade. O que parecia conforto passa a ser incômodo. 

Almejada como voo alto, a beleza é grandiosa quando encarnada na arte de notas musicais, pincéis e letras. Mas a beleza minúscula, aquela que está ao alcance, já guarda o poder da fagulha que rasga o breu.

“Muito do que é dito sobre a beleza e sobre sua importância em nossas vidas ignora a beleza mínima de uma rua despretensiosa, de um bom par de sapatos ou de um pedaço refinado de papel de presente; é como se essas coisas pertencessem a uma ordem de valor distinta da ordem de valor de uma igreja construída por Bramante ou de um soneto escrito por Shakespeare”, escreve o filósofo Roger Scruton no livroBeleza.

A conexão com a beleza é ativa, revela a resistência da alma ante a certeza da pressa e do pragmatismo. Pode tornar grande o que parece pequeno, fazer extraordinária uma ação ordinária. 

“Essas belezas mínimas são muito mais importantes para a nossa vida cotidiana do que as grandes obras que (se tivermos sorte) ocupam nossas horas de lazer”, continua Scruton.

A beleza é por si só. A flor é uma flor apenas por ser – pouco importa se é ou não admirada. No entanto, num mundo vivo, tudo é interação. A cor clama por ser visitada – num retrato da lei da ação e reação as anteras ofertam o polén, instigando o polinizador a trabalhar a continuidade.

A beleza verdadeira escapa ao julgamento dos olhos e pousa em gestos, silêncios, doação de si. É como se apossar da potência do próprio botão e levá-lo à florescência. Cuidar de uma beleza mínima, qualquer que seja, é semear um quinhão de doação ao mundo.

E cada ser é um botão único. Também cada povo constitui seu próprio jardim singular, sem necessidade de comparar-se a canteiros vizinhos. Diferentes jardins têm diferentes expressões de beleza.

“Unicamente o soerguimento da própria cultura constitui verdadeiro progresso para cada povo!”, escreve Abdruschin emNa Luz da Verdade, ressaltando a importância da florescência dentro da própria essência e potencialidade.

Com lã grossa e encorpada, as barras decoradas com franjas, os ponchos de panos costurados com cordões eram as vestimentas mais importantes dos Incas. Com andar ereto e orgulhoso, o povo chamava a atenção. 

“Os incas eram, em todas as fases de suas vidas, de extraordinária beleza. A força luminosa de seus espíritos superiores e a pureza de suas almas expressavam-se em seus corpos terrenos”, escreve Roselis von Sass emA Verdade sobre os Incas.

Por vezes, a beleza vem de lugares diferentes daqueles que se pode captar com os olhos. Ela emana de profundidades abaixo da pele. Por isso, reconhecer e praticar a beleza verdadeira pode implicar em despir-se de prejulgamentos, como quem tira os filtros que já não agregam valor artístico à foto. Captura-se, assim, a beleza com os sentidos desprevenidos e não com os filtros de crenças construídas culturalmente.

Como um despertar do automatismo cotidiano, a beleza comove, é bálsamo, elevação e respiro. É oportunidade de sair do chão e pousar a alma demoradamente na asa de um passarinho.

 



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