Baile sem mascara

fevereiro 20, 2012

Sibelia Zanon

Os moldes podem ser bastante úteis. Os técnicos e engenheiros que trabalham projetando embalagens sabem da importância de um molde coerente com as medidas e cálculos estudados. Costureiras e alfaiates também reconhecem o valor deste instrumento. Locais famosos pela fabricação de máscaras como Veneza, na Itália, se especializaram em fabricar máscaras exclusivas: neste caso o molde é o rosto da própria pessoa que recebe uma massa branca colante por cerca de 40 minutos. E então sai a máscara perfeita que representa fielmente os traços daquele rosto, diferentemente das máscaras comuns compradas pela grande maioria no comércio convencional.




Moldes têm sua utilidade. Também os vários moldes sociais usados no cotidiano como os da boa convivência, os do bom comportamento ou alguns de conduta podem ter sua função. Mas os padrões sugeridos ou quase impostos pelo mundo e pela sociedade vão além. São muitos e 
estão sempre mudando.

Ser uma pessoa que se encaixa nas diversas situações, ser flexível, usar do famoso jogo de cintura 
ou agir com diplomacia podem ser características mui
to úteis e positivas. Mas di
fícil é conhecer as fronteiras
 que separam o que é ser um 
indivíduo positivamente 
moldável e flexível daquele
 indivíduo que muda completa
mente a cada nova medida que
 as circunstâncias sugerem, perden
do facilmente a identidade e abdicando de sua personalidade e de valores que pareciam importantes.

Perder a identidade ou a chance de construir um estilo próprio pode parecer muitas vezes mais fácil do que resistir às pressões que o mundo externo exerce, já que buscar um estilo autêntico e assumi-lo exige um certo afastamento da zona de conforto cotidiana. Isso porque além daquilo que o espelho confessa, o estilo percorre caminhos ainda mais sinuosos, ou seja, além do que é visível como uma roupa da moda ou não, o estilo consiste também em diversas outras formas de expressão, em posicionamentos escolhidos, em verdades eleitas ou não, em dizer um não quando a maioria diz o sim, enfim, em ser coerente com as convicções e desejos interiores.

Talvez ter um estilo mais definido seja uma questão de busca, autoconhecimento, autoestima, algo que vai crescendo com os anos de vida, com as experiências e que não tem nenhuma receita. Mas exercer o que há de estilo, de convicções e formas de ver o mundo está relacionado à coragem. No mundo globalizado e com grande apelo comercial parece ser quase necessário ter algo em comum para ser aceito pela maioria. Não se deixar sufocar pelos padrões de beleza muitas vezes irreais, por tendências mundiais, por tribos contemporâneas, pelo apelo de esportes radicais ou pela última moda é um tanto difícil. Fazer com que a personalidade e estilo se exteriorizem e tomem forma nas pequenas coisas do cotidiano tornou-se um desafio.

Mas dentro de um comportamento normal e até simpático é possível pincelar algumas doses de estilo. Explorar o mundo particular das cores, das formas, dos traços, dos sorrisos, dos posicionamentos faria de cada um, um ser mais feliz por estar em harmonia com seus anseios interiores. Talvez seja interessante pensar que é possível celebrar a diferença sem escandalizar.

Colocar idéias de forma delicada, mas colocar. Permitir-se ser simples e comum. Buscar a beleza que cabe a cada um, montando um repertório de expressão particular que não seja simplesmente uma aceitação do padrão universal... apenas alguns exemplos pequenos de algo que pode ganhar um grande significado.


Assumir as verdades e peculiaridades e usar os moldes na medida e da forma desejadas podem fazer o mundo ir ganhando aos poucos um hálito mais refrescante e menos massificado. Interessante seria que cada máscara usada no cotidiano não fosse uma máscara qualquer aceita sem critério ou comprada na primeira propaganda do horário nobre. Bom seria que ela fosse autêntica e que retratasse o estilo particular ou o “eu interior”. Neste caso, assim como nas lojas especializadas em máscaras exclusivas, cada um passaria, aos poucos, de objeto moldável para ser a base do molde. E a máscara da vida cairia como no fim de um baile, mostrando a diversidade de personalidades, visões, culturas, costumes, formas, corpos, belezas... desvendando a autenticidade.





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Ainda me lembro com nitidez daquela cena: ela caminhava apressada com uma folha nas mãos, lendo o conteúdo, enquanto lágrimas se avolumavam em seu rosto. Entrou quase em fuga no vestiário. Eu, que passava pelo corredor nesse exato momento, tive o impulso de segui-la, sentindo que deveria ajudar.

Trabalhávamos em setores distintos, embora próximos, e nossos contatos até então se resumiam a poucas conversas triviais. E eis que, de súbito, me vejo diante dela, agora sentada em um sofá entre os armários do vestiário, com um diagnóstico em mãos: “câncer”. 

O turbilhão em que ela se viu a partir desse dia acabou envolvendo várias pessoas. Entre torrentes de lágrimas, apreensões compartilhadas, histórias inspiradoras contadas, palavras de apoio e carinho, abraços e orações, foi se formando uma comunidade em torno dela, cada um se esforçando para auxiliar como podia. Os laços foram se fortalecendo, pessoas antes dispersas passaram a se integrar e colaborar, sensibilizadas pelo que ocorria.

A partir daquele forte abalo, em que a terra pareceu tremer e escapar de baixo dos pés, muita coisa pôde vir à luz. Nossas conversas cotidianas se tornaram mais profundas e significativas, tocando em temas como a percepção da fragilidade da própria vida, os medos ligados ao que aconteceria consigo e com a família, reflexões sobre o que significou sua jornada até ali, perguntas sobre o real significado da existência, a busca por compreender os porquês, nos campos físico, emocional, espiritual...
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