Tem uma paineira perto da minha casa. Pela janela da sala, assisto à sua copa passando pelas estações. Quando me quero planta, me imagino uma delas. Prima das sumaúmas, ela fornece painas que dão colo para pássaros em ninhos primaveris.
A árvore parece contraditória. Talvez por isso seja tão interessante. Espinhos cobrindo o tronco contrastam com a leveza do algodão e das flores cobrindo a copa. Os espinhos servem para proteger a espécie e impedem a subida de mamíferos e répteis, cuidando dos pássaros que se alimentam dos frutos e sementes lá em cima.
Parece que, quando jovem, seus espinhos são mais evidentes. Com a altura e a idade, eles ficam mais brandos. Será que com as pessoas também acontece assim?
Há quem acredite que as experiências, ao longo da vida, têm o efeito de ampliar a realidade e afastar o sonho. Algumas pessoas parecem até deixar, propositadamente, os espinhos crescerem bastante para repelir qualquer sonho que queira aproximar-se. Manobra arriscada. Quando os espinhos se esticam muito, eles trocam de função: deixam de ser defesa e passam a ser desesperança. É como quando deixamos que as experiências difíceis enruguem as ternuras. O algodão e a flor ficam esquecidos lá no alto, enquanto só nos ocupamos com a nossa fileira afiada de espinhos.
Mas há também as pessoas que conseguem manobrar as experiências de um jeito, que a anatomia ganha outro contorno. Elas acreditam que as experiências servem para aprender amplitudes. E dentro das amplitudes cabe um montão de coisas. É o tipo de gente que cuida ao mesmo tempo de espinho, flor e algodão. Às vezes, cuida mais de uma coisa e, às vezes, mais da outra. Mas, enquanto experimenta a vida, continua crescendo. E, de vez em quando, consegue ter uma vista tão boa lá do alto da sua altura, que já se sente forte o suficiente para se proteger sem precisar de tanto espinho. Igual à paineira. Quanto mais alta e mais experiente, menos espinhos. Quando me quero planta, me sonho uma delas.
“O caminho para as alturas espirituais é espinhoso e por toda parte espreitam ciladas! Somente o ser humano que incansavelmente luta contra suas próprias fraquezas e erros alcançará tais alturas, portanto aquele que não se cansar durante a escalada. Se não o fizer, os próprios erros tornar-se-ão armadilhas, nas quais se prenderá.”
Roselis von Sass, Sabá, o País das Mil Fragrâncias
"Solitária e sem compreender nada se encontra uma alma no recinto de morte. Sem compreender nada, porque o ser humano que jaz no leito se recusou, durante a sua vida terrena, a acreditar na continuação da vida após deixar o corpo de matéria grosseira, jamais pensando nisso com afinco, e zombando de quantos falavam a tal respeito."
A beleza verdadeira comove e convida ao voo. Ela pode ser capturada pelos sentidos e pela alma. Por isso não é acessório. É bálsamo e cura. Para além daquelas grandiosas, as pequenas belezas acendem uma luz no cotidiano. Podem ser vistas ou também sentidas num gesto, numa ação. Cada pessoa, assim como cada povo, tem sua expressão particular de beleza, atuando como doador e colaborador no engrandecimento do mundo.