Às vezes anseio pela vazante. Tempo de esvaziar, verter, derramar tudo para poder ser calmaria. Contemplo a planície com presença. O horizonte parece distante e intocado como se ainda houvesse tempo. Sinto o cheiro da água que se esvai como se a tarde fosse toda construída para o olfato. Revisito na memória os lugares e as pessoas da semana que se foi. Contemplo o vazio e ele me contempla. Me preencho de espaço.
Não é pouco tudo o que cabe nas horas vazias.
“Ando muito completo de vazios”, escreve Manoel de Barros.
Na arquitetura, os espaços vazios são mais do que a ausência de construção. Eles são pequenos silêncios, possibilidades de interação com a natureza e com as pessoas, espaços para o apogeu absoluto da luz natural.
Na música, o vazio de som é parte da melodia. O tempo musical se dá pela sucessão de sons e silêncios.
Na natureza, o ciclo hidrológico de determinadas paisagens inclui a enchente, a cheia, a vazante e a seca. O pulso da água vai moldando a paisagem e se faz importante em cada etapa.
Vivemos épocas de cheias. Cheios de informação. Cheios de compromissos. Cheios de preocupações. Cheios de ideias. Cheios de opiniões. Cheios de certezas. É como se nosso interior fosse constantemente inundação.
Sem o vazio, sem a vazante, sem o silêncio, a paisagem interior perde a saúde e a luz natural.
Cheia boa é aquela que se dá em ciclos e alterna com a vazante. É nos momentos de seca que somos preenchidos de vazios e é nessa ausência de construção que a luz natural acha espaço para entrar.
“A hora de descanso deverá levar-te à meditação interior, fazer com que reflitas sobre tua existência terrena de até então, principalmente, porém, sobre os dias de trabalho da semana finda, tirando disso conclusões proveitosas para o teu futuro.”
Os Dez Mandamentos e o Pai Nosso
Abdruschin