Lado a lado, em uma estante, estão as caixas separadas por tamanho, cor, material e tantos outros critérios. Foram colocadas com cuidado e parecem bem organizadas! É como se o trabalho estivesse concluído. Mas não! De repente entra uma ventania pela janela e derruba as caixas mais leves. Alguns objetos se quebram, o conteúdo das caixas se mistura, resta uma grande bagunça!
Assim fazemos também com a vida. Organizamos nosso cotidiano e crenças como em prateleiras bem alinhadas e, sem querer, passamos a acreditar que aquela situação é permanente e que a estante é forte e indestrutível. Mas as ventanias não poupam nossas vidas. Imprevistos, mudanças ou aquela sacudida que nos tira da calmaria não são mais coisas raras. A perda do emprego que parecia tão seguro, o aumento do aluguel e a consequente necessidade de mudar de residência, crises súbitas nos relacionamentos, a imposição profissional de mudar de cidade e tantas outras coisas cotidianas. Temos, então, a impressão de que tudo pode ser questionado. Desde a profissão até o estado civil, nada é tão permanente quanto parecia.
“A cada apelo da vida deve o coração / Estar pronto a despedir-se e a começar de novo, / Para, com coragem e sem lágrimas se / Dar a outras novas ligações”, ensina o escritor e poeta alemão Hermann Hesse.
Mas nem sempre mudar parece algo fácil. Nem sempre o coração e a mente estão prontos para a mudança. Teimamos em resistir, e sofremos! Sentimos muitas vezes que tudo o que indicava dar certo, dá errado. Mas será que o nosso “dar errado” realmente pode ser chamado assim?
Em situações que podemos observar por toda a vida, reconhecemos casos em que a mudança de planos, inicialmente considerada indesejável, desagradável e até causadora de muito aborrecimento, foi um grande auxílio. Uma criança se perdeu no aeroporto e fez com que o pai não entrasse no avião que cairia alguns minutos depois; outras crianças tiveram o visto internacional negado e não puderam participar de uma excursão, em que o avião também caiu; um funcionário atrasou-se para chegar ao trabalho e foi poupado de estar dentro do prédio quando ele desabou... todos estes, casos reais e, logicamente, não tão cotidianos para nós. Mas será que também na vida cotidiana não passamos por uma porção de situações semelhantes, em diferentes proporções?
“Aos seres humanos terrenos muitas vezes e sempre de novo são dados auxílios da maneira mais surpreendente, só que não é possível, em geral, observá-los”, comenta a escritora Roselis von Sass, no livro Fios do Destino Determinam a Vida Humana.
Tantas mudanças e imprevistos não significam, porém, que estejamos flutuando no mundo, à mercê dos acasos da vida ou mesmo dos auxílios... Cada mudança que mexe com o nosso íntimo e cada prateleira desarrumada podem ter causas diferentes. Talvez seja o sinal de que precisemos constantemente estar nos reestruturando, nos movimentando em prol de crescimento e desenvolvimento. Talvez precisemos desenvolver qualidades que ainda não temos, versatilidade, flexibilidade. Talvez precisemos refletir sobre o que temos, quem somos, como vivemos. Talvez cada um de nós precise de alguma ou várias destas coisas e, por esse motivo, a vida chega sacudindo com insistência para nos lapidar e fazer com que nos movimentemos...
Mas acima de tudo, o que ocorre hoje não deixa de ser um reflexo de nossas atitudes e interferências no mundo de ontem. O que foi feito, pensado e formado influencia o dia de hoje. Possivelmente, nestes tempos acelerados de grandes mudanças que vivemos, muitas transformações precisem ainda ocorrer para que o mundo volte a circular em paz. E talvez toda a renovação esteja aqui e ali iniciando-se no nosso quintal, nas nossas crenças e em nossa forma de viver.
“A dor e também a alegria batem continuamente à porta, estimulando, sacudindo para um despertar espiritual”, escreve Abdruschin em Na Luz da Verdade, vol. 1.
Texto revisado, publicado no periódico Literatura do Graal, número 5.
“Viver é experimentar exatamente isso: cuidar de uma pequena parte, de modo a agregar ao todo. Qual a nossa colaboração na transformação da energia que nos mantém vivos? Qual o melhor encaixe que podemos fazer de nós mesmos dentro de um sistema que já trabalha, por natureza, de forma colaborativa?”
Sibélia Zanon