Uma pausa para trocar os sapatos

janeiro 14, 2015


Sibélia Zanon


“Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva. 
Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. 
É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo nos dois lugares!”
Cecília Meireles


Listas que morrem com o ano velho, listas que nascem no ano novo. Em todo início de ano eu gostava de fazer a lista das coisas que gostaria de realizar no ano que começava. Nunca comi lentilhas ou pulei ondas, mas sempre gostei das listas. Elas me ajudavam a organizar as expectativas, os sentimentos, os propósitos.
 Eram também
 uma forma de 
fazer um balanço do ano, 
pois na medida 
em que eu rascunhava
 escolhas para o futuro, analisava como estava o caminhar no presente e no passado.

As listas ensinam sobre as escolhas. É preciso escolher coisas para colocar na lista, é preciso abdicar de outras. É preciso vivenciar a lista ao longo do ano para entender sobre expectativa versus realidade.

Somos, aparentemente, bem intencionados a cada começo e a cada fim. Mas o que acontece no meio? Além da nobreza ou não dos objetivos listados, a forma de chegar a eles tem sido boa? Temos feito paradas estratégicas, ao longo do ano, da semana, do dia, para avaliar os caminhos percorridos?

Refletir sobre as escolhas feitas ao longo de um determinado período é uma forma de repensar o caminhar. E avaliar o caminhar permite que tomemos novas decisões, que façamos escolhas mais conscientes para os próximos passos: o caminho é pedregoso e precisamos trocar os sapatos? É possível seguir outra direção e chegar a um novo lugar?





Quando não há paradas pelo trajeto, a fim de repensar os passos, corremos o risco de seguir em frente sem olhar para o chão e tropeçamos, assim, numa pedra qualquer. Ou, ainda, arriscamos seguir em frente sem olhar o céu e, distraidamente, perdemos a referência dos pontos cardeais.
Passei os últimos anos sem fazer listas. Ainda não sei bem por quê. Talvez algumas ilusões tenham falecido. Talvez as coisas sejam mais complexas e não adianta fazer uma lista tão organizada quando a vida é tão mutante. De qualquer maneira, com ou sem listas, é preciso entender que não se pode calçar a luva e colocar o anel ao mesmo tempo. É preciso fazer escolhas, refletir sobre elas e ter, assim, a chance de se reorientar e escolher de novo. Com menos ilusões, com mais confiança.


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Jadasa encostou a cabeça contra a parede onde se achava apoiada, fechou os olhos e começou pensativamente:

— Claros e luminosos degraus conduzem a uma Luz que ninguém poderá descrever. E claros e luminosos entes ajudam as almas a transpor esses degraus para cima, cada vez mais para cima. Há jardins em ambos os lados desses degraus. Maravilhosas e aromáticas flores crescem neles, cuidadas por graciosos entes femininos.

Zoroaster, Coleção o Mundo do Graal
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"Somente o compreender pleno e sem lacunas equivale à convicção, a qual unicamente possui valor espiritual!”

Abdruschin, Na Luz da Verdade - Mensagem do Graal
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Daniela Schmitz Wortmeyer

Ainda me lembro com nitidez daquela cena: ela caminhava apressada com uma folha nas mãos, lendo o conteúdo, enquanto lágrimas se avolumavam em seu rosto. Entrou quase em fuga no vestiário. Eu, que passava pelo corredor nesse exato momento, tive o impulso de segui-la, sentindo que deveria ajudar.

Trabalhávamos em setores distintos, embora próximos, e nossos contatos até então se resumiam a poucas conversas triviais. E eis que, de súbito, me vejo diante dela, agora sentada em um sofá entre os armários do vestiário, com um diagnóstico em mãos: “câncer”. 

O turbilhão em que ela se viu a partir desse dia acabou envolvendo várias pessoas. Entre torrentes de lágrimas, apreensões compartilhadas, histórias inspiradoras contadas, palavras de apoio e carinho, abraços e orações, foi se formando uma comunidade em torno dela, cada um se esforçando para auxiliar como podia. Os laços foram se fortalecendo, pessoas antes dispersas passaram a se integrar e colaborar, sensibilizadas pelo que ocorria.

A partir daquele forte abalo, em que a terra pareceu tremer e escapar de baixo dos pés, muita coisa pôde vir à luz. Nossas conversas cotidianas se tornaram mais profundas e significativas, tocando em temas como a percepção da fragilidade da própria vida, os medos ligados ao que aconteceria consigo e com a família, reflexões sobre o que significou sua jornada até ali, perguntas sobre o real significado da existência, a busca por compreender os porquês, nos campos físico, emocional, espiritual...
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