Na mesa do restaurante, um casal jovem conversa animadamente enquanto
uma criança pequena perambula pelo salão, sem maior vigilância dos pais. A
criança aproxima-se da mesa do casal, salta para cima do banco de couro
vermelho em que eles estão sentados, desce, circula ao redor da mesa. Sua
pequena estatura transforma a quina da mesa numa ameaça. A moça, mais
interessada na conversa do namorado do que na criança desconhecida, ignora a
situação, mas não ignora o gesto do rapaz. Preocupado, ele olha para a criança
e envolve a quina ameaçadora com a sua mão. O gesto chama atenção da moça, que
passa a ver no namorado alguém que se importa. Talvez um potencial pai. Sem
saber, naquele jantar ele ganhou pontos no amor.
Valores permeiam as relações. Importar-se e cuidar do outro, assim como
exercer a gentileza, podem fazer parte do conjunto de valores de uma pessoa.
Longe de serem objetos mensuráveis ou facilmente substituídos, os valores são
parte da cultura e da natureza mais íntima de cada um, moldando a sua
personalidade e determinando sua forma de interação com o outro e com o todo.
Ainda que pareçam universais, os valores não deixam de ser vestidos de
roupagem individual, na medida em que cada pessoa empresta um pouco de si ao
exercitá-los. Assim como o rapaz mostrou um jeito particular de se importar e
proteger, vestindo o valor, pode haver casos em que os valores parecem mais
terem sido despidos do que vestidos. Quando se faz mau uso de um valor, por
exemplo, exercitando-o de forma a camuflar outras intenções, ele fica despido
de seu significado original. Assim, quando alguém tem uma atitude ecologicamente
correta, intencionando apenas melhorar sua imagem perante um grupo social ou
comercialmente, em vez de agir por princípio ou convicção, perde a chance de
usufruir completamente dos benefícios daquilo que fez; porque, na medida em que
camufla intenções e despe um valor de sua essência, fica também órfão da
conexão com tudo o que se relaciona àquele valor. Valores exigem autenticidade.
Por isso, também o exercício do politicamente correto pelo politicamente
correto, e não por princípio, tem baixo valor.
Valores são, então, feito partículas soltas aguardando por serem potencializadas.
Partículas isoladas podem não ter a força de constituir um castelo, mas ao
passo que cada pessoa abraça e potencializa valores, elas se transformam numa
fortaleza.
Salientar determinados valores é uma preocupação dos pais, e externar um
valor não é mais do que mostrar para alguém aquilo que apreciamos. Mais eficaz
e convincente ainda do que ensinar um valor é praticá-lo, fazendo com que ele
transpareça em ações e exemplos. A tentativa, no entanto, de impor valores será
sempre malsucedida porque valores impostos tornam-se valores mortos. “Impor
valores é privar o outro de sua liberdade e negar sua individualidade”, escreve
Francesc Torralba no livro O valor de ter valores.E acrescenta: “Os
valores gritam, são como vozes que nos impelem a viver de determinada maneira,
a sermos coerentes com uma filosofia de vida”.
Descobrimos valores importantes nas crises. Quando tudo vai bem, fazemos
um brinde com espumante. Mas, quando as coisas vão mal, precisamos resgatar o
que é relevante, o que realmente importa. E aí podemos vislumbrar o que se
mostra sólido no interior. É durante uma crise que, muitas vezes, temos a oportunidade
de fazer uma faxina interna e também esculpir novos valores. Isso quer dizer
que uma pessoa e seu conjunto de valores estão em constante transformação, não
sendo uma unidade estática do nascimento à morte. Não apenas a educação e a
cultura, mas também as experiências ajudam a incorporar valores.
Dizem que uma pérola se forma quando uma substância estranha, como um
grão de areia, penetra em certas espécies de ostras. Reconhecendo aquele objeto
estranho no manto, camada de tecido que protege suas vísceras, a ostra passa a
secretar camadas de madrepérola, o que confere brilho e forma à pérola.
E se cada um de nós buscar ser a espécie certa de ostra para reconhecer
e revestir os desafios da vida com os maiores valores e com as melhores camadas
do nosso jeito de ser?
"—Li-Erl, filho dos jardins sagrados, grande foi a graça que Deus me proporcionou, permitindo-me ver-te. Puro como Ele te enviou, assim te conservaste. Guiado pela Pureza terás de caminhar por entre os homens, reavivando a Luz que se extingue, trazendo a Verdade àqueles que se asfixiam nos pecados.”
"— Maon, o sábio, já se encontra em tua casa, Alaparos. Ele unirá Maris Iamin e Scham-Haran na Terra com as flores da pureza." Roselis von Sass, A Desconhecida Babilônia