“Pingou, o pingo da chuva, do chuveiro e do choro. A menina chorava por algum motivo especial, mas ninguém entendia a sua dor. A dor parecia tão pequenina aos olhos dos adultos: eles estavam sem microscópios, sem binóculos, sem lentes de aumento. Eles não podiam ver. A menina ficou por ali com seu pingo de tristeza, sozinha.
Dizem que é bom chorar na chuva porque assim ninguém percebe. Mas melhor mesmo é ter alguém por perto para ajudar a secar um pedacinho da tristeza. E a arte de secar a tristeza é um grande malabarismo.
Foi mais ou menos isso o que contava outro dia um médico. Ele dizia que é possível diminuir a dor, mas não aludia a remédios de última geração. Falava de palavras. Contava que, com o tempo, foi entendendo melhor os pacientes e percebendo que cada pessoa precisa de uma palavra diferente. Em geral, os mais jovens precisam ouvir que não vão morrer e os mais velhos precisam entender que a sua dignidade será respeitada. Para cada paciente existe a palavra certa que pode tranquilizar e diminuir o tamanho da dor.
Grande essa arte de curar dores que os remédios não conhecem! Mas, e as dores do corpo? Também essas têm muitos mistérios, mas parecem providas de lógica mais visível. E não é que são até necessárias? Funcionam como um alarme do corpo, um pedido de socorro e de proteção. É como o grito de um dedo que precisa ser afastado do calor porque está sendo queimado. Assim como tudo tem mais de um lado, a dor que é ruim, de repente, é boa.
E pensando em dois lados lembrei de uma cicatriz que tenho desde que quebrei o braço. Enquanto as dores físicas deixam aqui e ali suas marcas, as tristezas também marcam aqui e acolá uma ruga. E o acúmulo de marcas, que às vezes assustam um pouco quando refletidas no espelho, não é uma coisa à toa não. Dizem por aí que os mais velhos são mais compreensivos e generosos. Tudo culpa da coleção de cicatrizes vividas pelo mundão afora. Acontece que as dores e tristezas têm uma boa herança a deixar: lentes, microscópios e binóculos para enxergar a tristeza dos outros.
Talvez o maior ensinamento que as mais diversas marcas possam trazer para a vida seja o respeito pela dor alheia. Afinal, ninguém viveu todas as dores e tristezas do mundo para poder avaliar o tamanho da dor do outro. E sabendo disso, começa a nascer a compreensão e a generosidade, como se as marcas pudessem sussurrar coisas que não se aprendem na escola.
Pingou, o pingo da chuva, do chuveiro e do choro. A menina da nossa história não sabia explicar o motivo certo da sua dor: existia uma dor de solidão no coração, mas ela disse que a dor era no ouvido. Foi então que alguém pôde secar o seu pingo de tristeza. A menina encontrou uma professora que entendia dessas dores. Ganhou um remédio de mentirinha, foi embalada num abraço e sarou. Grande essa arte de curar dores que os remédios não conhecem, não é mesmo?”
Sibélia Zanon, Espiando pela Fresta