Em frente ao portão A6, a mãe e três crianças esperavam o embarque sentadas nas
poltronas pretas. As crianças comiam batatinha chips,cada uma com seu saquinho.
Ora sentavam, ora levantavam e passeavam ali por perto com as batatinhas nas
mãos.
A menina mais jovem havia se libertado do par de tênis cor-de-rosa, que
agora estava jogado embaixo dos assentos. Andava pra lá e pra cá com suas
meias, igualmente cor-de-rosa. O menino, animado, apoiava o suco de caixinha no
braço de um dos assentos, enquanto se servia de outra batatinha. A menina mais
velha comia sentada.
A festinha não tinha nada de mal porque crianças têm a sorte de não ter
vergonha de mostrar suas meias e, por isso, podem largar os tênis quando eles
estão apertando o dedo mindinho. O mal, porém, estava nos rastros.
Não estamos falando de migalhas invisíveis, mas de rastros consistentes
em vários assentos da sala de espera do portão A6. No balanço final podíamos
contar: uma mãe, três crianças e cinco assentos sujos.
Na hora do embarque, o quarteto foi embora voando e deixou que as sobras
da festinha contassem sua história para quem quisesse ouvir. Ou melhor, para
quem tivesse que sentir.
Com a sala cheia, as vítimas foram se aproximando. Primeiro chegou um
moço com a mãe de idade. Ele passou a mão nas duas cadeiras que usariam, afastando
as batatas. Esfregou depois os dedos entre si, como se estivessem sujos.
Depois veio uma moça jovem e bem vestida. Ela abriu a bolsa e pegou um
pacote de lenços descartáveis. Com um dos lenços, limpou a cadeira antes de se
sentar.
O meu voo estava atrasado. Por isso, tive ainda tempo de pensar: se o
filme fosse Corra Lola, Corra(Lola Rennt,1998) poderíamos
escolher uma nova versão para a história. Na minha nova versão, antes de embarcar, a mãe reuniria as três crianças, entregaria a cada uma delas um lenço de papel
e as acompanharia na missão impossível de deixar os cinco assentos limpos, do
jeito que foram encontrados, sem vestígios, para os próximos usuários. Qual
seria a sua versão?
“Os incas daquele tempo não conheciam doenças. Nasciam saudáveis, alimentavam-se corretamente e também respiravam de modo certo; assim, com saúde, podiam deixar a Terra...”