Sibélia Zanon
A menina ruiva acena. No enquadramento da tela, o espectador não enxerga outras pessoas, apenas a imensidão de um campo de cultivo dourado. A menina sai em disparada pela plantação e abraça uma única árvore, que se destaca na paisagem. Sente o rosto contra a rugosidade do tronco. Com a ajuda de uma corda e um tanto de habilidade, sobe na árvore e ao olhar a paisagem lá de cima, ela diz, com cerimônia: “Sua perspectiva é maravilhosa!” A cena, que inicia a segunda temporada da série canadense “Anne with an E”, parece como uma rajada de ar fresco.
O contato com a natureza e com tudo o que é vivo é capaz de causar essa sensação, de fortalecer a nossa vitalidade. Assim também acontece quando comemos fruta direto do pé, escutamos o ritmo da cachoeira, percebemos o movimento das asas do beija-flor ou visualizamos a paisagem de cima de uma árvore ou de uma montanha.
Isso acontece porque as coisas vivas parecem ser perpassadas por uma força que tudo abrange e que também alimenta a nossa existência. Essa força, que tudo vivifica, incentiva-nos a cultivar a conexão com algo maior do que nós mesmos. E essa conexão pode ser uma importante chave de fortalecimento da vitalidade.
A vitalidade pode ser compreendida como vigor, capacidade de desenvolvimento e antítese de paralisação. Ter vitalidade é estar alerta e disponível para a vida, ser capaz de buscar força para vivenciar o que vier, seja cachoeira refrescante, seja água estagnada. Enfim, ter energia física e emocional para levantar da cama e seguir adiante, quando um novo dia amanhece.
Se a vitalidade de um corpo pode ser cuidada com ar puro, boa comida, equilíbrio entre movimento e sono… como cuidar da vitalidade anímica? Crescemos desejando que a vida seja interessante para nós. Mais tarde, descobrimos que viver dá um pouco mais de trabalho e que nós também temos de ser interessantes para a vida: descobrir um propósito, cultivar aptidões, alimentar nossos interesses, tatear os próprios limites, responsabilizar-nos pelo que nos revigora e nutre, cuidar das próprias necessidades.
Assim, a vida interior pode ser nutrida e aquilo que uma pessoa anseia, pensa e busca atingir tem consequências. A vida interior estende fios conectores e gera efeitos também materialmente. A vitalidade anímica está interligada à vitalidade do corpo.
E a lei da ação de retorno abrange também os pensamentos.
Por isso, um estímulo para a vitalidade perseverar é não se deixar atormentar por coisas desnecessárias, tal como nutrir pensamentos martirizantes sobre o valor ou desvalor de si próprio e de outros, ou cismar com situações passadas. Não é aconselhável fazer com os pensamentos o mesmo que fazem aqueles que têm o hábito de cutucar a casca de uma ferida, não a deixando cicatrizar. Pode ser que a vitalidade anímica seja parceira da simplicidade no ser e no pensar: viver apreciando o agora e buscando elevar a própria atuação dentro do contexto em que se encontra, positivamente.
Muitas vezes, a forma de olhar determina o padrão dos pensamentos e vice-versa. Quando são construídas, por exemplo, diferentes versões interpretativas ao redor de um fato, a escolha de posicionamento perante essa realidade gera maior ou menor vitalidade. “Diante do espinho, há aquele que só pensa em sua ferida e há o outro que percebe o quanto a rosa está próxima”, sugere Fabrício Carpinejar, poeta gaúcho. Fato é que ninguém vai passar pela vida sem os espinhos, mas a grande diferença é a narrativa que cada um constrói acerca deles.
Talvez não seja necessário subir numa árvore para se ter uma perspectiva maravilhosa. Pode ser que não tenhamos habilidade com as cordas ou destreza física. Mas para se conquistar uma perspectiva diferente, com certeza, há que se cultivar uma grande vontade, destreza na maneira de olhar e a fé de que os espinhos são um indício de que existem as rosas.
“Pensamentos bons, alegres ou belos, geram seres luminosos, os quais, na medida da força de cada um, procuram sempre um ponto em que possam encontrar sua igual espécie. Acolhei, sem hesitar, esses pensamentos bons, visto que uma pessoa alegre pode fazer muito mais que uma pessoa casmurra ou triste.”
Buddha, Coleção o Mundo do Graal