Sibélia Zanon
Toda árvore tem raízes
e cada uma a seu jeito.
Algumas possuem raízes
que
habitam profundezas subterrâneas; outras, raízes aéreas
ou aquáticas. Qualquer
que seja o tipo da raiz, sua função é sempre relevante. Sustenta a planta com
equilíbrio e absorve substâncias fundamentais para a sobrevivência, como água e
minerais.
O ser humano também tem raízes. Mesmo que alguns prefiram, por vezes,
ignorá-las, elas são um ponto de equilíbrio, algo conhecido, que nos traz a
sensação de pertencimento, nos faz compreender em que solo estamos pisando e
quais são as regras, os sabores, as caras, os jeitos e gestos que permeiam
aquele espaço. Mas quais seriam mesmo as nossas caras, jeitos e gestos?
Somos mestiços de índio, africano, polonês, português, italiano,
espanhol, entre tantos outros povos, e ainda assim temos uma raiz comum. Além
do território continental, as nossas diversas origens levam muitos a dizerem
que dentro do Brasil há muitos brasis, nações dentro de uma nação.
A respeito de nossas raízes, o fotógrafo Sebastião Salgado afirmou certa
vez: “Isso é uma coisa
fantástica no Brasil, que os brasileiros não conhecem bem. Um pedaço grande da
nossa história e uma grande constituinte da nossa raça são os índios
brasileiros. A gente fica procurando a Idade Média dos outros, da Europa e nós
temos uma história fabulosa que desconhecemos. É a cultura indígena
brasileira”.
A escritora Roselis von Sass relata emRevelações Inéditas daHistória do Brasil:“Os
povos antigos do Brasil eram bem desenvolvidos não apenas espiritualmente, como
também terrenalmente. Eles assemelhavam-se em muito aos primeiros sábios da
Caldeia, que viveram há sete mil anos. Principalmente no que se referia aos
conhecimentos de botânica, geologia, zoologia e astronomia. Em tudo o que se
refere à natureza eles superavam amplamente a ‘civilizada’ humanidade
hodierna.” Infelizmente muito desse saber dos povos antigos também se perdeu ao
longo do tempo, e as culturas dos povos indígenas atuais guardam apenas pálidos
traços dessa herança.
No que diz respeito à civilização
moderna, realmente a sua maneira de “construir destruindo” preocupa muitos. “Hoje,
se a gente quiser sobreviver como espécie, temos que reconstruir uma parte do
que destruímos para poder viver em equilíbrio com a natureza, porque nós somos
natureza também. Senão, a natureza bota a gente para fora e ela refaz sozinha o
que nós destruímos”, disse ainda Salgado. Se não aprendermos a avançar e a
evoluir, respeitando os ciclos da vida, corremos o risco de sermos expulsos da
nação natureza.
Sendo parte da natureza, nossas raízes se alimentam de muitos aspectos relativos
ao local em que nascemos. Sofremos de uma espécie de patriotismo anímico. “O corpo terreno está ligado àquela
parteda Terra onde nasceu! Intimamente ligado também com todas as estrelas
dessa bem determinada parte e com todas as irradiações que a ela pertencem. De
maneira ampla, muito mais do que podeis imaginar! Somente aquelaparte
desta Terra dá ao corpo exatamente aquilo de que ele precisa, a fim de
florescer direito e permanecer vigoroso”, escreveAbdruschin emNa Luz da Verdade.
Cada povo e cada nação têm raízes que precisam ser fortalecidas, enobrecidas com base em suas
características próprias. “Somente o soerguimento da própria cultura
constitui verdadeiro progresso para cada povo!”, escreveainda Abdruschin.
Uma vez, o pai de uma amiga quegosta de mexer com a terra e plantar no seu sítio, fez uma
viagem à Suíça. Lá deparou com um terreno bonito de plantio. No meio daquele
pequeno terreno havia uma bandeira da Suíça. A imagem ficou gravada em sua
memória e levou-o à reflexão sobre a importância do solo que alimenta, que
serve de moradia e de hospedagem. Como hóspedes que somos, diferentemente do
olhar exigente dos donos, poderíamos incorporar o olhar agradecido dos
convidados. Não só usar, mas também honrar cada coisa que faz parte do nosso
chão, desde o idioma até a natureza que nutre nosso corpo e nossa alma.
Além das raízes que nos conectam com um local, com as pessoas que o
coabitam e com uma cultura, há outras raízes mais profundas que fazem parte
daquilo que somos e estão além do que enxergamos. Trata-se da nossa essência. E
essa essência espiritual precisa também de nutrição. Por isso, muitas vezes, a
sensação de estar desenraizado não acontece apenas quando nos mudamos para um
país estrangeiro, mas também quando deixamos de nutrir as raízes da nossa
essência.
Na medida em que cada um cuida das próprias raízes, passa a nutrir a
vontade de outras pessoas, de também cuidar das suas. Enriquecer e honrar o que
há de bom é um caminho para se ter orgulho do solo que nos recebe, seja ele
qual for.