Maternidade planetária

abril 16, 2012

Sibélia Zanon

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.

Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
 - Me ajuda a olhar!”

Eduardo Galeano, escritor uruguaio


A infância nos faz deparar com a surpresa, com o encantamento, com o olhar sensível às belezas esquecidas. A infância é capaz de despertar no adulto o desejo de proteger e de ser melhor. Talvez sejam esses alguns dos motivos pelos quais a maternidade é um presente.

Ser mãe, cada vez mais, é uma opção e não uma consequência de ser casada ou de ser mulher. Embora muitas mulheres pensem assim, há poucas décadas isso era impensável e ainda hoje há quem acredite que ser mãe é a principal função da mulher, que a vida sem filhos é vazia ou mesmo egoísta.

“Uma grande opressão paira sobre toda a feminilidade terrena, desde que foi difundida a ilusão de que o destino principal de uma mulher seria a maternidade”, considera o escritor Abdruschin, na obra Na Luz da Verdade.

Muitas ideias contaminam o solo do senso comum, sem que se saiba exatamente sua origem e, de repente, cresce um exército, que caminha, sem consciência ou convicção, numa mesma direção. “A sociedade contemporânea prega esse ideal da igualdade não individualizada porque necessita de átomos humanos, cada um idêntico ao outro, para fazê-los funcionar em massa, suavemente, sem atrito. Todos obedecendo aos mesmos comandos, embora todos estejam convencidos de que estão seguindo seus próprios desejos”, analisa o psicanalista Erich Fromm.

Ainda que obedecer possa ser uma virtude, de vez em quando é preciso levantar a cabeça e avaliar a que comandante estamos obedecendo e por qual motivo. Convicção, comodismo ou ignorância?

Os grandes desafios e inúmeros encantos que envolvem a maternidade e a paternidade são indiscutíveis. Porém, contribuir para marcar a infância de forma positiva e ser referência não é papel exclusivo dos pais, que geralmente já carregam uma carga grande de responsabilidades e culpas.

Basta fazer um breve exercício de imaginação: como seria criar filhos num mundo diferente? Em um país com publicidade responsável? Numa sociedade em que adultos cuidam de crianças, independentemente de quem sejam seus pais? Em um agrupamento que efetivamente respeita direitos e deveres, que cultiva a ética e os interesses coletivos?




Além da minha mãe, grandes mulheres marcaram a minha infância e continuam marcando a minha vida. Mulheres que buscam humanizar as relações e o cotidiano. Mulheres pensantes, que conseguem misturar ternura e tenacidade. Lembro-me de uma professora que cuidou da minha infância. Ela não fazia todas as nossas vontades e era exigente, mas era capaz de me cativar na mesma medida em que me estimulava a ser melhor. Ela sabia acolher sem perder de vista o rumo.

Nós todos podemos proteger as crianças, definir que tipo de atitude teremos enquanto adultos frente à infância que nos cerca. Mais do que gerar uma criança, é preciso ter a consciência sobre a relevância de ser adulto, de ser humano,sem perder a conexão com o encantamento.

“Não é em vão que nas recordações da infância se insere uma leve melancolia. Trata-se do sentimento inconsciente de ter perdido alguma coisa que deixou um vazio, a incapacidade de intuir ainda infantilmente. Mas decerto tendes notado muitas vezes o efeito maravilhoso e revigorante que causa uma pessoa, apenas com sua presença silenciosa, de cujos olhos irrompe de vez em quando um brilho infantil”,escreve Abdruschin. A minha professora tinha um brilho in- fantil no olhar.

Quando vamos crescer a ponto de sermos exemplos para as crianças? Quando vamos exercitar uma maternidade planetária, que cuida de tudo o que é vivo e precisa de proteção? Quando a nossa pegada pelo planeta vai ser menos árida e mais fértil? Me ajuda a sonhar?!


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Daniela Schmitz Wortmeyer

Ainda me lembro com nitidez daquela cena: ela caminhava apressada com uma folha nas mãos, lendo o conteúdo, enquanto lágrimas se avolumavam em seu rosto. Entrou quase em fuga no vestiário. Eu, que passava pelo corredor nesse exato momento, tive o impulso de segui-la, sentindo que deveria ajudar.

Trabalhávamos em setores distintos, embora próximos, e nossos contatos até então se resumiam a poucas conversas triviais. E eis que, de súbito, me vejo diante dela, agora sentada em um sofá entre os armários do vestiário, com um diagnóstico em mãos: “câncer”. 

O turbilhão em que ela se viu a partir desse dia acabou envolvendo várias pessoas. Entre torrentes de lágrimas, apreensões compartilhadas, histórias inspiradoras contadas, palavras de apoio e carinho, abraços e orações, foi se formando uma comunidade em torno dela, cada um se esforçando para auxiliar como podia. Os laços foram se fortalecendo, pessoas antes dispersas passaram a se integrar e colaborar, sensibilizadas pelo que ocorria.

A partir daquele forte abalo, em que a terra pareceu tremer e escapar de baixo dos pés, muita coisa pôde vir à luz. Nossas conversas cotidianas se tornaram mais profundas e significativas, tocando em temas como a percepção da fragilidade da própria vida, os medos ligados ao que aconteceria consigo e com a família, reflexões sobre o que significou sua jornada até ali, perguntas sobre o real significado da existência, a busca por compreender os porquês, nos campos físico, emocional, espiritual...
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