Vontade de esperançar

fevereiro 14, 2018

imagem menina levando cachorrinho para passear
Sibélia Zanon

 

Biltis, a rainha de Sabá, levanta um enigma: “O céu todo escureceu, por toda parte aglomeram-se ameaçadoras nuvens de temporal. O aspecto torna-se cada vez mais sinistro… A escuridão do céu ameaçador parece já envolver a Terra… nada mais se vê, a não ser um tênue traço claro no horizonte…”

Ela cala por alguns instantes e pergunta se alguém poderia esclarecer o significado do quadro descrito.

Zadok, o rico comerciante de azeite, manifesta-se, dizendo conhecer o significado. “Eu imaginei a vida como um céu escuro e ameaçador. Apenas o traço claro... o traço claro no horizonte impede que a criatura afunde no medo e horror… Por isso quero denominar o quadro que descreveste para nós de ‘A esperança’.” Biltis festeja a resposta e diz haver um sábio escondido no comerciante. O trecho é do livro

 Sabá, o País das Mil Fragrâncias,de Roselis von Sass.

A esperança é algo que persiste no interior, independentemente das circunstâncias. Ela possibilita vislumbrar um traço claro no horizonte, também nos dias nublados. O escritor Rubem Alves sugere o seguinte contraponto: “Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração”.

Diferentemente das expectativas, que se concentram em metas bem específicas e carregam em si a cobrança da realização, a esperança autêntica tem alicerces na confiança e o olhar abrangente para o que pode dar certo, mesmo quando um desejo específico não se realiza.

É como se a esperança se ajustasse melhor como passageira de um motorista disposto a fazer as curvas que a estrada apresenta, do que como passageira do motorista que exige dirigir em linha reta e, por isso, se frustra logo que a estrada apresenta outros desenhos. O motorista que aceita as curvas como parte da trajetória, confia no fato de que ainda é possível chegar à cidade desejada, apesar dos caminhos não serem lineares como havia imaginado.

Há quem entenda a esperança como algo a contemplar e aguardar, e há aqueles que entendem a esperança com a vitalidade dos que pretendem alcançar, por si sós, o traço claro no horizonte. Quando só há espera, a esperança perde sua potência e corre o risco de ficar na esfera da passividade, irmã da vitimização. Ao esperar aquilo que virá de fora, corre-se o risco de esquecer que cada um atrai para si algo que encontra eco em seu interior, que surgiu primeiro em forma de sintonização e busca do lado de dentro.

Por isso, há quem aposte na esperança ativa, pautada no fato de que cada um tem responsabilidade por aquilo que acontece na sua vida. “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”, sugere o educador Paulo Freire.

É verdade que na vida há momentos de espera, em que é preciso silenciar e respeitar o tempo das coisas, compreendendo que nem sempre aquilo que idealizamos pode frutificar na hora e da forma desejadas. Isso mostra que a esperança precisa ter lastro na realidade para não ser confundida com a ilusão. E também ensina que a sensação de impotência perante certas situações faz parte da trajetória e pode contribuir para o aprendizado da humildade e da perseverança. Carregando em si ensinamentos, a espera não precisa ficar adormecida. Em estado de prontidão, ela pode estar aberta a novas oportunidades.

Sobre a esperança ativa, fala também o educador Mário Sérgio Cortella: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve. Por isso, o primeiro passo para ter uma esperança ativa é saber para onde você quer ir e o que você quer fazer. Segundo: colocar-se a caminho, isto é, buscar.”

E o que buscamos? Nutrir uma esperança sempre voltada para modificações talvez não seja a melhor perspectiva. “Quem põe suas esperanças nas modificações, não sabendo o que fazer com aquilo que foi dado, a este falta a vontade sincera, bem como a capacitação; encontra-se de antemão no terreno vacilante do aventureiro!”, escreve Abdruschin. Ao contrário, o escritor sugere olhar para o presente e ver onde é possível fazê-lo florescer, valorizando aquilo que se tem nas mãos e desenvolvendo habilidades antes não imaginadas.

Assim, cuida-se de não alimentar expectativas em relação ao que está longe, ao que é novo e àquilo que não se tem. Essas expectativas muitas vezes seriam frustradas porque o que está distante não se mostra necessariamente tão bonito, quando visto de perto.

A esperança com alicerces na confiança é forte e duradoura. Quando a escuridão do céu é ameaçadora e tem aspecto sinistro, existe o conhecimento de que as curvas da vida têm sua razão de ser e que, por trás das nuvens, o sol espera uma brecha para entrar.



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Ainda me lembro com nitidez daquela cena: ela caminhava apressada com uma folha nas mãos, lendo o conteúdo, enquanto lágrimas se avolumavam em seu rosto. Entrou quase em fuga no vestiário. Eu, que passava pelo corredor nesse exato momento, tive o impulso de segui-la, sentindo que deveria ajudar.

Trabalhávamos em setores distintos, embora próximos, e nossos contatos até então se resumiam a poucas conversas triviais. E eis que, de súbito, me vejo diante dela, agora sentada em um sofá entre os armários do vestiário, com um diagnóstico em mãos: “câncer”. 

O turbilhão em que ela se viu a partir desse dia acabou envolvendo várias pessoas. Entre torrentes de lágrimas, apreensões compartilhadas, histórias inspiradoras contadas, palavras de apoio e carinho, abraços e orações, foi se formando uma comunidade em torno dela, cada um se esforçando para auxiliar como podia. Os laços foram se fortalecendo, pessoas antes dispersas passaram a se integrar e colaborar, sensibilizadas pelo que ocorria.

A partir daquele forte abalo, em que a terra pareceu tremer e escapar de baixo dos pés, muita coisa pôde vir à luz. Nossas conversas cotidianas se tornaram mais profundas e significativas, tocando em temas como a percepção da fragilidade da própria vida, os medos ligados ao que aconteceria consigo e com a família, reflexões sobre o que significou sua jornada até ali, perguntas sobre o real significado da existência, a busca por compreender os porquês, nos campos físico, emocional, espiritual...
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