Aceitar o mundo segundo a lente alheia, sem muita análise, pode ser um veneno que mata a personalidade, a iniciativa e, em parte, a riqueza da diversidade de visões. Esperar que o senso comum aceite um novo conceito para depois assimilá-lo, pode retardar o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, aceitar algo apenas porque o senso comum o indica pode ser muito perigoso. “Jamais o ser humano deve esquecer-se de que ele, completamente só, terá de responder por tudo aquilo que ele intui, pensa e faz, mesmo que o tenha aceito de outrem de modo incondicional!”, afirma o escritor alemão Abdruschin em Na Luz da Verdade, vol. 2.
A quantidade de palavras que ouvimos e falamos em um dia também contribui para a crescente falta de análise. Ficamos, de certa forma, anestesiados quanto ao que escutamos ou lemos. A palavra vai, aos poucos, sendo banalizada. Com isso, podemos perder conteúdos importantes que estão bem ao lado, enquanto estamos fechados em nosso mundo. Ficamos um tanto céticos ou procuramos o inalcançável, conhecimentos distantes, sabedoria indicada pelo senso comum ou o máximo possível de informações para demonstrar grande intelectualidade.
Mas o saber não se reduz à informação. “A superstição patética que predomina é que, conhecendo um número cada vez maior de fatos, chega-se a um conhecimento da realidade”, diz Erich Fromm. Ele avalia que pouco sobra de tempo e energia para pensar e conclui: “Sem dúvida, raciocinar sem conhecimento dos fatos seria inútil e ilusório; somente as informações, porém, podem ser um obstáculo tão grande ao raciocínio quanto sua ausência”. Assim parece que a abundância também pode ter sua faceta de miséria.
Estar fechado para ideias inovadoras, apoiando-se em conceitos já sedimentados, também é um aspecto da falta de análise. Mas não é exclusivo da época atual. Em todas as épocas, mesmo ao lado de sábios, existiram “surdos”. Mesmo entre os discípulos que quiseram seguir Jesus existiram os que não deram crédito às suas palavras. Além da falta de tempo precisamos, então, tomar cuidado com o assédio da falta de abertura, da inflexibilidade, da falta de análise crítica e de preconceitos, que fecham espaço para conceitos originais.
Despir-se do antigo para deixar o novo entrar é um processo dolorido, que gera insegurança. Mas se não nos transformamos em grandes pioneiros da reflexão e análise crítica, podemos passar a vida atolados ou patinando em conceitos inverídicos. E pode não haver “golpe da vida” ou “lentes da verdade” que nos façam questionar, refletir ou enxergar outros ângulos.
Neste sentido, precisamos fazer uma escolha e não deixar, por exemplo, que as tristezas e os problemas que a vida traz, como maremoto e vendaval, sirvam apenas como motivo de depressão. Mas podemos usar a mesma dificuldade a nosso favor, analisando o porquê da vida, o porquê dos acontecimentos, o porquê dos movimentos de ida e volta que a vida propicia, imitando o mar.
A capacidade própria de analisar e de ser autêntico também merecem grande confiança, e o direito de dizer “eu não sei” deve ser praticado sem constrangimento. Não há quem consiga ser competente em todas as áreas. Mas cada pessoa é única e também isso ninguém consegue alterar.
À medida que são reavaliados, conceitos “emprestados” ou sedimentados podem perder ou ganhar valor. Assim se torna possível a reconstrução, e os maremotos podem se transformar em dias de sol, e o céu pode estar azul, mas também rosa ou branco. O importante é não esquecer de olhar para cima.
Texto revisado, publicado no periódico Literatura do Graal, número 12.