Quando eu era
menina, tínhamos um balanço no jardim. No verão, quando caía a chuva forte nos
finais de tarde, eu seguia de fininho
até lá, subia na cadeira e me balançava de pé. O balanço ia para frente e a
chuva encontrava meu rosto em cheio, o balanço ia pra trás e a camiseta se
encharcava com as gotas grandes. Naqueles dias a liberdade cabia dentro de uma
gota de água.
As coisas e os
momentos favoritos precisam ser armazenados em um compartimento acessível da
memória para serem revividos sempre que necessário ou desejado, assim como a
música My Favorite Things, cantada por
Julie Andrews no filme A Noviça Rebelde,
e gravada por tantos outros, gosta de lembrar:
Girls in white dresses with
blue satin sashes
Snowflakes that stay on my
nose and eyelashes
Silver white winters that
melt into springs
These are a few of my
favorite things
(Meninas em vestidos
brancos com faixas de cetim azul
Flocos de neve que caem no
meu nariz e cílios
Invernos branco-prateados
que se derretem em primaveras
Essas são algumas das
minhas coisas favoritas)
Alegrar-se com as
coisas boas e bonitas, conseguir enxergá-las e cultivá-lasé uma forma de prezar o que se tem e de
exercitar a gratidão. “Ao invés de
embelezardes com toda a força e alegria o vosso ambiente, de torná-lo mais
perfeito e de estimulá-lo para a plena florescência, quereis muitas vezes sair
dele, porque assim vos parece mais cômodo, prometendo sucesso mais rápido.
Quereis separar-vos dele para encontrar a desejada melhoria, já que, em todo o
desconhecido, simultaneamente, esperais também melhoria, embelezamento! Procurai,
antes de tudo, aproveitar de modo certo o que vos foi dado! Encontrareis aí
milagre após milagre”, escreve Abdruschin em Na Luz da Verdade.
Embelezar o
ambiente pode ser um propósito de ano novo. E se pensarmos no ambiente como
algo amplo? O ambiente em que vivemos, o ambiente que desenhamos com os nossos
desejos e pensamentos, o ambiente que construímos com as nossas palavras e
ações?
A chegada de um
ano significa o vislumbre de novos desafios. Mais momentos em que precisaremos
recorrer às boas memórias, quem sabe também construir mais um bocado delas para
alimentar nosso banco de ternuras, plantar lembranças favoritas também na vida
dos outros.
Muitos se
perguntam sobre o que o ano novo vai trazer, sobre as conquistas que serão
festejadas, mas mais importante do que isso é a própria trajetória, o vivenciar
do ano em si, como o poeta gregoKonstantinos Kavafis diz no poema Ítaca:
"Não percas Ítaca de vista,
pois chegar lá é o teu destino.
Mas não apresses os teus passos;
é melhor que a jornada demore muitos
anos
e o teu barco só ancore na ilha
quando já estiveres enriquecido
com o que conheceste no caminho”.
Mas como lidar
com essa jornada e com as nossas expectativas a respeito dela? O psicólogo Viktor
Frankl sugere agir em vez de esperar: “Jamais
importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a
vida espera de nós”. E complementa: “Em
última análise, viver não significa outra coisa se não arcar com a
responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo
cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento
da exigência do momento”.
A teoria,
logicamente, é mais fácil do que a prática porque a teoria, na maior parte das
vezes, estudamos com a cabeça. A prática, porém, vivemos com a intensidade de
todo o corpo, coração e espírito, apresentando-se mais abrangente e, por isso,
exigente. É na prática que descobrimos se a teoria proferida deixou de ser algo
frio, que funciona apenas “da boca para fora”, e ganhou vida, incendiada pela ação.
No novo ano - e que ele possa ser novo não só no
calendário, mas também nas respostas que daremos às perguntas da vida – desejo
apreciar intensamente a chuva e as coisas preferidas para lidar com os desafios
com mais coragem e, quem sabe assim, tornar os ambientes mais bonitos.
“When the dog bites
When the bee stings
When I'm feeling sad
I simply remember my favorite things
And then I don't feel so bad”
(Quando
o cachorro morde
quando
a abelha pica
quando
estou me sentindo triste
eu
simplesmente lembro das minhas coisas favoritas
“Os incas daquele tempo não conheciam doenças. Nasciam saudáveis, alimentavam-se corretamente e também respiravam de modo certo; assim, com saúde, podiam deixar a Terra...”