Águas mansas e corredeiras

abril 25, 2023

Ilustração de pequeno barco com pessoa remando dentro

Na filosofia ou nas ciências, questionar é uma forma de abrir caminho para soluções e respostas. O questionamento não deixa de ser a expressão de um pequeno incômodo, talvez um espaço vazio a ser preenchido, a confissão de que aquilo que os olhos veem é nebuloso e merece maior clareza. O questionamento é também uma expressão de movimento e vivacidade.

É como se houvesse uma água mansa e uma corredeira. A água mansa é um conceito, um valor, uma certeza conquistada. E a corredeira é o caminho em busca de respostas e convicções. Em águas mansas é possível boiar e apaziguar corpo e mente. Nas corredeiras é preciso atenção plena: fixar os olhos nos movimentos das águas, decidir remar ou estancar nos momentos certos. No trajeto, o senso de realidade é bom companheiro, alertando para os perigos de uma queda d’água e para a importância de nutrir a confiança na existência de águas mais tranquilas.

A água mansa só consegue efetivamente oferecer a paz das respostas quando é conquistada. Conquistada por aqueles que tiveram a disposição de enfrentar primeiro as corredeiras.

No livro Viagem à Itália, Goethe discorre sobre as obras de arte e a relação com o tempo em que foram produzidas. Ele diz ser um exercício interessante reconhecer o estilo sempre diverso utilizado pelos povos para imprimir a arte pelo mundo, em suas diferentes épocas. “Faz-se necessário exercitar o olhar com rigor e, ao longo de muitos anos, aprender antes de poder perguntar”, escreve.

O próprio funcionamento do planeta que nos abriga pode ser visto como a mais bonita e complexa obra de arte a ser observada, compreendida e respeitada. As engrenagens da natureza fazem a ciência se ocupar em contar narrativas e mais narrativas, enquanto essa mesma natureza continua simplesmente sendo.

Para conhecer é preciso observar, mas também usar da liberdade de questionar, analisar, perscrutar com atenção e sem medo.

Quando pequenos, nós humanos perguntamos incessantemente pelos tantos porquês, passamos por fases em que aprendemos muito em pouco tempo, desenvolvemos novas percepções e visão de mundo. Mais tarde, os questionamentos se deslocam para outros objetos ou lugares, mas continuam sendo potentes gatilhos para o movimento – sempre que permitimos.

Pela trajetória, cada um vai se conhecendo e, assim, vai também reconhecendo quais perguntas são realmente relevantes para nos levar um passo adiante, para nos fazer subir mais um degrau, e quais são apenas ruído, que só faz remexer em coisas antigas, mergulhar em águas alheias, ruminações mentais sem muito propósito ou direção.

Por vezes, mesmo quando a busca parece autêntica, pode haver o medo de entrar nas águas volumosas de uma corredeira, porque navegar por elas exige a coragem de perceber as próprias fragilidades e a ausência de certezas.

No entanto, apaziguar ou ignorar os questionamentos mais profundos ou buscar contentamento abraçando verdades alheias não traz completude.

“Quem, sem questionar, aceita e confessa como convicção própria assuntos importantes, mostra com isso ilimitada indiferença, mas nenhuma verdadeira fé”, escreve Abdruschin em Na Luz da Verdade.

A corredeira continua seu curso impassível, e a água mansa pode ser potencialmente apaziguadora quando conhecemos sua profundidade.


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“- Os ursos querem que tomemos banho junto com eles! exclamou um dos incas, enquanto se dirigia até o urso que estava no meio do rio. Visivelmente contentes por tanta compreensão, todos os ursos se lançaram à água. Mergulhavam, arfavam e cutucavam sempre de novo os seres humanos que pescavam seus ponchos. Somente quando um dos incas jogou bastante água nos ursos, eles sossegaram, troteando rio abaixo.

- Temos de procurar um outro local para nossas casas de provisões! disse um dos mestres-de-obras. Encontramo-nos numa região pertencente aos ursos.”

Roselis von Sass, A Verdade Sobre os Incas

 

 

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